A Sociedade em Conta de Participação (SCP) é, por natureza, uma figura jurídica sui generis do direito empresarial brasileiro. Sem personalidade jurídica própria (Código Civil, artigo 993), constituída por contrato particular e sem necessidade de registro público (artigo 992), sua operacionalização concentra-se na figura do sócio ostensivo, que atua em nome próprio e sob sua responsabilidade exclusiva. O sócio participante, por sua vez, permanece oculto na relação externa e, via de regra, não se vincula juridicamente aos credores da sociedade.
Historicamente, a SCP tem sido uma alternativa eficiente para negócios que buscam uma estrutura flexível, com menor complexidade formal e, especialmente, com benefícios fiscais derivados da inexistência de personalidade jurídica e da imputação tributária concentrada no sócio ostensivo.
Contudo, a promulgação da Lei Complementar nº 214/2025 — norma que inaugura a regulamentação do novo sistema tributário brasileiro, instituindo o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) — impõe uma nova lógica ao regime das SCPs, ao criar a possibilidade de sua opção pelo regime regular de apuração de tributos, com consequências significativas sobre sua configuração fiscal e patrimonial.
Nos termos do artigo 26, inciso III, da LC nº 214/2025, as SCPs estão, por definição legal, excluídas da condição de contribuintes do IBS e da CBS, salvo se optarem, de forma expressa, pelo chamado “regime regular” previsto no §1º do mesmo dispositivo. A redação legal é clara:
“Art. 26. Não são contribuintes do IBS e da CBS […] III – sociedade em conta de participação;
§1º Poderão optar pelo regime regular do IBS e da CBS […] I – as entidades sem personalidade jurídica de que tratam os incisos I a III do caput deste artigo;
§4º Caso a sociedade em conta de participação […] não exerça a opção pelo regime regular […], o sócio ostensivo ficará obrigado ao pagamento do IBS e da CBS quanto às operações realizadas pela sociedade, vedada a exclusão de valores devidos a sócios participantes.”
Regimes da SCP
Em suma, a SCP pode manter-se sob o regime tradicional — com o sócio ostensivo respondendo integralmente pela tributação incidente — ou pode optar pelo novo regime regular, no qual ela própria será responsável pelo recolhimento dos tributos sobre consumo.
A possibilidade de equiparação da SCP a uma pessoa jurídica para fins de responsabilidade tributária suscita importantes questionamentos jurídicos e práticos.
Primeiramente, do ponto de vista da apuração de tributos federais, o entendimento consolidado pela Instrução Normativa RFB nº 1700/2017 (artigo 6º, §§1º e 2º) determina que o sócio ostensivo é o responsável exclusivo pela apuração e recolhimento do IRPJ e da CSLL relativos às operações da SCP. A jurisprudência, a seu turno, é uníssona em afastar a legitimidade ativa da SCP em ações fiscais (v.g., TRF3, ApCiv nº 5007502-78.2021.4.03.6100).
A adesão ao regime regular do IBS e CBS cria, nesse contexto, uma dissonância sistêmica. De um lado, a SCP passa a ser contribuinte direta de tributos sobre consumo; de outro, permanece representada fiscalmente pelo sócio ostensivo em matéria de tributos sobre lucro. Essa bipartição de responsabilidades pode gerar distorções operacionais, dúvidas sobre a gestão de receitas, insegurança quanto à titularidade passiva de obrigações acessórias e conflitos sobre legitimidade processual ativa e passiva em litígios fiscais.
Adicionalmente, a atribuição da condição de contribuinte à SCP, mesmo sem personalidade jurídica, pode ensejar incertezas quanto à autonomia do patrimônio especial previsto no artigo 994 do Código Civil e à possibilidade de responsabilização do acervo comum da SCP por obrigações pessoais do sócio ostensivo ou vice-versa, especialmente em cenários de confusão patrimonial, redirecionamento de execuções fiscais e eventual desconsideração da personalidade jurídica por analogia.
Fonte: Conjur